São automóveis novos, sofisticados e nada baratos, que circulam com placas com números vermelhos, que indicam veículo de transporte comercial. Nesse caso, táxis.
Mas os donos desses carros não levam passageiros em São Luís (MA). O que também surpreende é descobrir quem são os envolvidos nisso.
Os investigadores fizeram um levantamento sobre quase 10 mil carros comprados com isenção de impostos de 2020 pra cá e encontraram indícios de fraudes no emplacamento de 35% deles.
No papel, são táxis, mas, na rua, são carros de empresários, profissionais liberais e servidores públicos, que nunca fizeram uma corrida.
No caso apenas de servidores públicos, o MP afirma que 1.038 carros estão rodando com alvarás (documento que permite o trabalho como taxista) irregulares.
Elisângela Cutrim Santos é uma das pessoas que comprou um carro com a placa de táxi. Ao “Fantástico”, ela disse não ser taxista, mas foi como taxista que ela comprou o carro zero com desconto de quase R$ 16 mil.
A nota fiscal mostra que ela teve isenção de ICMS e IPI. O alvará que permite Elisângela trabalhar como taxista é da cidade de bacabal, a 250 quilômetros de São Luís. Só vale para aquele município, mas ela vive e trabalha na capital.
Elisângela é irmã de um coronel da Polícia Militar do Maranhão, que também tem um carro com placa vermelha, segundo o MP.
Mário Sérgio Cutrim dos Santos é comandante do Batalhão de Polícia Ambiental, em São Luís. A nota fiscal revela que ele comprou o carro como taxista e com a isenção de impostos teve um desconto de R$ 20 mil. De R$ 151 mil saiu por R$ 131 mil.
Pra se apresentar como taxista, o coronel usou uma declaração da prefeitura de Colinas, a 440 quilômetros da capital. Se ele realmente fosse taxista, só poderia rodar naquela cidade.
Depois que o “Fantástico” abordou sua irmã, o coronel Cutrim procurou as autoridades de trânsito e mudou a categoria do veículo para particular. O que ainda não se sabe é se ele pagou os impostos devidos.
Ele foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. Dentro do quartel general da PM onde Mário Sérgio trabalha, é possível ver um outro carro igual ao dele, também com a placa de números vermelhos.
Pertence a outro coronel: Rômulo Henrique Araújo da Costa. Ele também comprou o carro como taxista na mesma época do colega de farda e no mesmo valor com a isenção de impostos. Quase R$ 20 mil reais de desconto.
O alvará de taxista do coronel Rômulo também é da cidade de Bacabal. Ele diz que fez o requerimento “e a prefeitura concedeu”, mas nunca trabalhou como taxista, e que as isenções fiscais são importantes para sua decisão de rodar com uma placa com números vermelhos.
O chefe dos dois coronéis, o comandante geral da PM no estado, Paulo Fernando Moura Queiroz, também tem o registro de taxista em Bacabal. Ele já teve dois carros comprados com isenção de impostos.
O último de 2021, que custou R$ 14 mil reais mais barato, como comprova a nota fiscal. Este ano, o comandante admitiu – em documento encaminhado à Secretaria de Fazenda – que é dono de uma vaga de taxista na cidade do interior.
Ele reconheceu que “não exerce atividade remunerada em transporte de táxi”, e solicitou oficialmente o cálculo dos impostos que não foram cobrados para fazer o pagamento. Apesar disso, o MP afirma que até a dívida não foi quitada.
Curiosamente, o carro do comandante não tem placa com números vermelhos, obrigatória em veículos comprados com isenção na categoria táxi.
Por nota o Detran do Maranhão informou que “não pode fornecer informações sobre terceiros. Também reforça que a investigação é sigilosa para não comprometer os trabalhos das autoridades”.
Mas não esclareceu como o carro do comandante geral da PM foi emplacado como um veículo de passeio.
A Secretaria de Segurança Pública informou que a investigação instaurada para apurar o envolvimento de policiais militares, incluindo os três coronéis, ainda não foi concluída. O comandante Queiroz não quis se manifestar.
Em um dos casos levantados pelo MP, os investigadores nem precisaram sair de onde estavam para descobrir a fraude. Uma servidora do próprio Ministério Público também usa um carro com placas vermelhas.
Mariana Lucena Sousa Santos comprou um carro em março de 2023 com cerca de R$ 13 mil de descontos. Ao “Fantástico”, ela disse que não trabalha como taxista, mas que herdou o alvará do pai.
Mariana usou o documento para comprar o veículo. Ela disse que nunca precisou dizer ser taxista durante a isenção dos impostos.
Depois da entrevista, Mariana pagou os impostos que não foram cobrados na época da compra. Ela quitou o ICMS e o IPVA.
No prédio não muito longe de onde mariana trabalha, um auditor do Tribunal de Contas do estado também usa um carro com placa vermelha.
O veículo está no nome da mãe de Hunaldo Francisco de Oliveira Castanheiras. A nota fiscal mostra que com as isenções o valor baixou de R$ 126 mil para R$ 107 mil.
Ele explicou a família toda já foi taxista em Salvador (BA), inclusive ele, e mostrou que o carro tem taxímetro.
O atual alvará de São Luiz era do pai, que ficou doente e passou para sua mãe. Mesmo assim, ele admite que está usando o veículo sem ter um alvará em seu nome.
Punição
“O policial militar, o auditor, ele é proibido de exercer outra função. Ele não pode exercer outra função, muito menos a função de taxista, que exige quase que dedicação exclusiva”, explica Danilo José de Castro Ferreira, procurador Geral de Justiça do Maranhão.
Pelas contas do MP, os motoristas deixaram de pagar R$ 40 milhões em impostos com as isenções e reduções concedidas ilegalmente.
“Além do crime tributário, propriamente, nós temos crimes contra a administração pública, nós temos possivelmente crimes de lavagem de dinheiro, nós temos também a questão da corrupção passiva”, explica.
As autoridades querem saber como foi feita a emissão de alvarás para pessoas que não trabalham como taxistas. Em Bacabal, o MP já abriu uma investigação. (Do Fantástico)